24 de outubro de 2023
Como funciona e o que muda com regulamentação do mercado de carbono
Explicamos o que a regulamentação significa na prática e compartilhamos alguns pontos de atenção sobre o tema
A jornada pela redução de emissões de gases do efeito estufa contou com um importante avanço neste mês, com a aprovação unânime do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil, o PL 412/2022A, na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal. A matéria segue agora para a Câmara dos Deputados. A expectativa é de que haja aprovação antes da COP-28, principal conferência climática internacional, que acontecerá nos Emirados Árabes em dezembro deste ano; e que os primeiros desdobramentos das novas políticas possam ser explorados antes da COP-30, que acontece em 2025 em Belém, Pará.
O que é o mercado de carbono regulado?
Formalmente chamado de Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), a regulamentação do mercado de carbono distribui cotas limites de emissão anual de gases de efeito estufa. Pela proposta, as empresas que conseguirem reduzir suas emissões têm a oportunidade de vender suas permissões, os chamados créditos, enquanto aquelas que ultrapassarem os limites devem adquirir permissões adicionais, criando assim um incentivo econômico para a redução das emissões. O principal objetivo é incentivar a diminuição das emissões, alinhando-se às diretrizes da Política Nacional sobre Mudanças do Clima (Lei 12.187 de 2009) e outros acordos internacionais assinados pelo Brasil.
Estarão sujeitos às regulamentações do SBCE as empresas e pessoas físicas que emitirem mais de 10 mil toneladas de gás carbônico equivalente (tCO2e) anualmente. Esses operadores deverão monitorar e relatar suas emissões e remoções anuais de gases de efeito estufa. Aqueles que excederem 25 mil tCO2e deverão também comprovar o cumprimento de obrigações relacionadas às emissões de gases.
Os créditos de carbono desempenham um papel central neste mercado, sendo certificados com base na “não emissão” de gases de efeito estufa. Projetos de preservação ambiental, como reflorestamento e proteção de manguezais, contribuem para essa não emissão e geram créditos de carbono. O Brasil, com sua rica biodiversidade, é um candidato natural para esses negócios, com potencial de geração de receitas estimado em 120 bilhões de dólares até 2030, de acordo com um estudo da WayCarbon e da Câmara de Comércio Internacional (ICC).
Embora o mercado regulado seja uma parte importante da estratégia de combate às mudanças climáticas, o mercado voluntário de carbono já opera no Brasil há anos, permitindo que empresas e indivíduos compensem voluntariamente suas emissões. Isso reflete a crescente conscientização ambiental da sociedade e a pressão por ações que protejam o meio ambiente.
Ativos comercializáveis
De acordo com o mesmo projeto, o órgão responsável pelo SBCE deverá elaborar o Plano Nacional de Alocação (PNA), que definirá a quantidade de emissões a que cada operador terá direito. Essas quantidades serão representadas pelas Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs). Cada CBE, equivalente a 1 tCO2e, será considerada um ativo passível de negociação, podendo ser concedida gratuitamente aos operadores ou adquirida para o cumprimento de metas de emissão.
Além das CBEs, o projeto prevê a criação do Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE). Este certificado, também negociável, representa a redução efetiva de 1 tCO2e de emissões de gases de efeito estufa. As empresas poderão adquiri-los e utilizá-los no cálculo do cumprimento de suas metas. Após autorização, os CRVEs poderão também ser utilizados em transações internacionais no contexto do Acordo de Paris.
Todos os operadores serão obrigados a apresentar regularmente planos de monitoramento e relatórios sobre suas emissões e remoções de gases de efeito estufa. Aqueles com emissões superiores a 25 mil tCO2e deverão demonstrar que possuem CBEs e CRVEs equivalentes às suas emissões.
Esses ativos serão passíveis de negociação em bolsas de valores, de acordo com regulamentações que serão definidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Impostos sobre o lucro resultante da venda incidirão sobre o ganho líquido em transações realizadas em bolsas, ou sobre o ganho de capital em outras situações. No entanto, não haverá incidência de tributos como PIS/Pasep ou Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) nas transações. A utilização de CBEs e CRVEs para compensar emissões permitirá a dedução de despesas na apuração do lucro real e na base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Punições previstas
O não cumprimento das regras do SBCE poderá resultar em penalidades, incluindo multas de até R$ 5 milhões ou 5% do faturamento bruto da empresa, de acordo com decisão do órgão regulador do SBCE, que definirá as infrações puníveis. Outras sanções possíveis incluem a suspensão das atividades, a perda de benefícios fiscais e linhas de financiamento, a proibição de contratar com o setor público por três anos e o cancelamento de registro.
O projeto estabelece que tanto pessoas físicas quanto jurídicas que não estejam obrigadas a participar do SBCE poderão ofertar voluntariamente créditos de carbono. Essa disposição se aplica a créditos gerados a partir de projetos ou programas que visam à redução ou remoção de gases de efeito estufa, como a recomposição de áreas de preservação permanente ou de reserva legal.
Caso cumpram as regras do sistema, esses créditos poderão ser convertidos em CRVEs e comercializados. Povos indígenas e comunidades tradicionais, como quilombolas, também poderão gerar CRVEs a partir de projetos realizados em seus territórios.
Governança
De acordo com o aprovado pela CMA, o SBCE terá um órgão regulador encarregado de supervisionar o mercado e rever anualmente os limites de emissões de gases de efeito estufa que determinam quando os operadores devem monitorar suas emissões. O órgão regulador também terá outras funções, incluindo a elaboração e a implementação do PNA, a emissão e o leilão de CBEs, a apuração de infrações e a aplicação de penalidades por descumprimento das regras do sistema.
As diretrizes gerais do SBCE serão estabelecidas pelo Comitê Interministerial para Mudança do Clima, que também será responsável pela aprovação do PNA. O projeto prevê a criação de um órgão consultivo chamado Comitê Técnico Consultivo Permanente, que fornecerá informações e recomendações para o aprimoramento contínuo do SBCE.
Período de transição
O PL 412/2022 define um período transitório para a entrada em vigor das regras relacionadas ao SBCE. De acordo com o texto, o órgão regulador terá até dois anos para elaborar a regulamentação do sistema. Após a regulamentação, os operadores terão mais dois anos antes de serem obrigados a cumprir plenamente suas metas. Dentro desse período, eles deverão apresentar apenas planos e relatórios de emissões.
Segundo a senadora Leila Barros, o mercado de carbono movimentou aproximadamente US$ 100 bilhões em 2022, com sistemas semelhantes em operação em diversos países. A parlamentar enfatiza o papel vital do Brasil na oferta de ativos ambientais em um mercado global de carbono, devido à sua vasta riqueza florestal e matriz energética. Ela destaca a importância de um sólido marco regulatório como base para a transição econômica e climática pretendida.
Pontos de atenção
Apesar do avanço, pelo menos dois pontos lançam preocupações sobre os reais impactos da medida:
– a exclusão do setor agropecuário da legislação, uma vez que trata-se do principal emissor de gases do efeito estufa (25%, de acordo com o Observatório do Clima).
– a falta de implicações sobre o mercado voluntário, cuja confiabilidade vem sendo cada vez mais questionada por investigações e auditorias dentro e fora do Brasil.